Paulo Gabriel tinha apenas 20 anos entrou no projeto Fazedores de Café. Ele estava cumprindo medidas socioeducativas na época, em 2014. “Eu estava em um momento complicado da minha vida”, disse ele. Gabriel foi um dos quatro adolescentes que foram selecionados para o primeiro grupo de Fazedores, um programa para jovens brasileiros em situação de risco, onde passou três meses aprendendo sobre o café e fazendo amigos para toda a vida – incluindo sua instrutora e coordenadora do projeto Regina Machado.
A partir dali, Paulo Gabriel decolou: foi contratado pelo Octavio Café, em São Paulo antes mesmo de terminar seu estágio lá. O trabalho está ajudando a pagar pelo seu sonho, a faculdade de gastronomia. Gabriel ainda competiu pelo Octavio no Campeonato Brasileiro de Barismo em 2015, ficando em sétimo lugar, um resultado excelente para um estreante. E não parou por aí: conseguiu a sexta colocação no Campeonato Brasileiro de Preparo de Café.
Diego Gonzales, dono do Sofá Café, se inspirou a criar o Fazedores depois de ler um livro sobre a empresa americana TOMS, que, a cada par de sapatos vendido doa um par de sapatos a uma criança que precisa. Gonzales imaginou fazer o mesmo com os cursos de barista: para cada curso que o Sofá Café vendesse a um cliente, ele daria a um curso a um jovem participante de programas de recuperação de ONGs parceiras. Ele tinha até em mente a pessoa certa para coordenar o projeto: Machado, que na época trabalhava para o Coffee Lab. O projeto tinha como meta atingir jovens adultos ao redor de 18 anos, de famílias de baixa renda, matriculados na escola ou já graduados do ensino médio.
Não foi difícil convencer Machado a vir para o Sofá liderar o programa. Depois de conversar mais com Mariana Proença (gerente de conteúdo da Revista Espresso, revista especializada sobre café no Brasil) e Giuliana Bastos (profissional de relações públicas especializada em café), Machado e Gonzales perceberam que havia uma enorme demanda por profissionais do café em São Paulo. Com o suporte de muitas empresas veio a boa notícia: o projeto não precisava depender de uma compra de um curso pra prover cursos de graça a esses jovens – eles iriam conseguir oferecer dois meses e meio de curso, mais um mês de estágio supervisionado em cafeterias associadas de São Paulo, tudo com o apoio de parceiros interessados.
As aulas multidisciplinares duram três horas de segunda a sexta-feira no Sofá Café de Pinheiros, com o intuito de moldar verdadeiros profissionais do café. O conteúdo é mais profundo que a maioria dos cursos de barista, incluindo produção e processamento de café, extração de café, bebidas de café, ética e comportamento no ambiente de trabalho, gerenciamento de conflitos, suporte ao cliente, criação de menu, requisitos sanitários, e gestão de negócios de café. Gonzales e Machado começaram com 4 sócios, e agora trabalham com 25, muitos dos quais também são instrutores do curso. Carol Pontvianne, da Urbe Café e Bar, dá aula de gestão de cafeteria junto com Gonzales, por exemplo.
Para que o Fazedores de Café acontecesse, todos os parceiros se uniram e contribuíram com seu expertise. Com essa união, foi possível construir uma sala de aula no segundo andar do Sofá Café e enchê-la de equipamentos de café (todos doados pelos parceiros do projeto). A sala acomoda de quatro a seis alunos por curso, e o torrador Atilla localizado a metros de distância, em outra sala, é utilizado para a prática de torrefação.
Gonzales ressalta que ele acredita que o projeto funcionou bem até agora justamente porque é baseado em um tipo de acordo de cavalheiros: não há contratos obrigando as partes a contribuir. “Em um ambiente empresarial tão burocrático como o do Brasil, foi crucial ter parceiros que colaboraram de maneira tão natural e orgânica”, ele diz. Eles nunca tiveram problemas, sempre tiveram os recursos para continuar com as aulas. O Sofá Café oferece um subsídio para os jovens – que vivem longe em geral- para os custos de transporte, e também provê os lanches para os alunos em todos os dias de aula. Gonzales também acrescenta que o objetivo do projeto é ter um impacto positivo na vida dos adolescentes, e isso não necessariamente se traduz em trabalhar com café: Mariana Dias, uma “Fazedora” formada, agora está trabalhando em uma cafeteria, mas para pagar sua faculdade de arquitetura. “Só isso já significa que o projeto teve efeito na vida dela”, diz Gonzales.
Machado afirma que a evolução dos jovens é claramente visível do início ao fim do curso, não apenas em relação ao café, mas também na sua atitude em relação aos outros alunos e aos professores, na postura em geral e nas habilidades de comunicação. “Muitos deles mal se comunicam quando chegam aqui, por timidez. Algumas semanas depois e eles já estão fazendo novas amizades e muitos questionamentos. É gratificante ver tudo isso acontecendo.”
Quando eu perguntei se eles planejam reproduzir o projeto em outras cidades no Brasil, e Gonzales e Proença explicaram que eles tomaram as medidas necessárias para transformar o Fazedores em uma instituição, para que no futuro ele possa ser replicado. A idéia é que o projeto seja operado por um conselho administrativo e se torne mais independente de seus criadores originais. Gonzales, Machado, Proença e Bastos estão trabalhando nesse sentido no momento. O Brasil inteiro certamente se beneficiará: há jovens que precisam de oportunidades como esta em praticamente todas as grandes cidades aqui, e a falta de profissionais de café bem treinados é notória. Esperamos ouvir mais e mais histórias como a de Gabriel e Dias espalhadas por todo o país nos próximos anos.
Juliana Ganan é engenheira agrícola, mestre em RI, trabalha com cafés especiais e escreve sobre café. Leia mais artigos de Juliana Ganan na Sprudge.